“Olá Bárbara, deve ser difícil entender por que eu
te escrevo depois de tanto tempo, não sei qual rumo sua vida tomou e não quero
ser inconveniente, mas precisava escrever. Gostaria de saber como você está,
tudo que aconteceu na sua vida e descobrir a mulher que você se tornou. Bem,
deixe-me explicar o que me faz escrever essa carta. Nesses quase sessenta anos
tudo mudou, não tenho mais cabelos, minha pele está cheia de rugas e não
consigo mexer a parte esquerda do meu corpo, assim, realizar qualquer tarefa
básica do cotidiano é um desafio, se não for impossível. Escrever essa carta,
por exemplo, mesmo com essa letra tremida, me exige imenso sacrifício, mas aqui
onde estou sempre tem um enfermeiro atencioso pra me ajudar. Apesar das
dificuldades físicas tenho uma cabeça boa, ao contrário de outros que vejo por
aqui. Um problema que a velhice pode trazer é a falta de memória, e vejo alguns
senhores que não reconhecem nem seus filhos quando estes vem visitá-los, eu não
tenho esse problema, até porque quase não recebo visitas. Desde que Rosineide,
minha esposa, faleceu, meus filhos decidiram que um asilo seria o melhor lugar
pra mim. Sim, fui casado por quarenta e sete anos e a Neide sempre foi muito
companheira, me deu três filhos homens que, por sua vez, já me deram dois
netos. De vez em quando, meu segundo filho aparece para me visitar.
Tenho muito
tempo livre aqui, o que me faz pensar em toda minha vida. É lógico que penso
muito na Neide e sinto muita falta dela, penso muito nos meus filhos também,
mas, não sei por qual motivo, penso muito em você. Lembro de ver o pôr do sol
ao seu lado, lembro das conversas na beira do lago Afamaía, da sua risada
silenciosa, da sua pele cheia de sardinhas e de como, de uma hora pra outra,
paramos de nos ver. Eu, afundado em estudos para ingressar no curso de direito,
nem pude me despedir quando você viajou para capital pra poder cuidar da saúde
de seu pai. E simplesmente, nunca mais nos vimos.
Tem um senhor
aqui, o Augusto, que disse que a filha dele teve aula com um professora chamada
Bárbara Passos Rodrigues, filha de Luis Machado Rodrigues e Isabele Passos
Rodrigues, e que sua filha poderia mandar um recado se eu quisesse. Decidi
escrever, pois ninguém além de mim saberia expressar o que eu sinto. Você é uma
lembrança boa na minha memória e um momento admirável na minha vida. Escrevo,
não só para expressar o que eu sinto, escrevo também porque quero saber de
você, e receber notícias suas proporcionaria alguma alegria nesse resto de
vida que ainda tenho.
Espero não ter
sido inconveniente ou desapropriado, mas eu precisava escrever e espero que
você me entenda.
Com
carinho
João”
Augusto pegou o envelope e nem se deu ao trabalho de
abrir para ler o conteúdo da carta. Jogou a correspondência fora junto com
algumas revistas velhas, pois nunca tinha ouvido falar de nenhuma Bárbara na
sua vida, a não ser a mulher que João tanto falava.