domingo, 3 de junho de 2012

Entre Almoços


Sempre conversaram sobre tudo, sem limites ou vergonha um do outro. Eram amigos de adolescência e às vezes ficavam mais de um ano sem se falar, mas sempre se encontravam por um amigo em comum ou num comentário de foto no face. Mas, nos últimos tempos deram pra almoçar juntos.
Se encontraram no buffet da panificadora e descobriram que ele tinha sido transferido pra agência do banco que fica logo ali, a duas quadras da loja de artesanato dela. Ela nem sabia que ele ainda trabalhava no banco, ele nem sabia que ela tinha uma loja de artesanatos, concordaram que deviam almoçar juntos mais vezes agora que estavam tão perto.
Começaram a se encontrar em restaurantes diferentes, conversavam mais e mais, falavam sobre carreira, discutiam política, lembraram de vários amigos: “sabia que a Flávinha casou?”, “encontrei com o Henrique ontem, ele disse que vai ser pai”, “lembra do Júlio? Diz que teve um acidente de moto feio, tá no hospital”.
Ela, além de tirar sarro do time dele, contou que seu sobrinho tinha sido suspenso no colégio, que seu avô morreu de câncer, falou cada detalhe das viagens que tinha feito pra europa há pouco tempo, que o Sansão, seu cachorro, era um sarro, e sempre perguntava se ele não conhecia ninguém que desse um jeito no seu computador.
Ele avisou do show daquela banda que ela adora, falou pra ela não comprar aquele carro que “não valia a pena”, contou que queria se mudar, fazer pós, e as vezes falava até da corrida enquanto ela fingia gostar do que estava ouvindo.
Os dois nem se deram conta que, pouco tempo depois, estavam almoçavando juntos todos os dias, ela morria de rir quando ouvia o quanto a ex-mulher dele era fútil, ele já achava babaca todos os “ex” dela, mesmo sem conhecer a maioria.
Ele pensava: “por que não investir? Quem sabe algo a mais? Algo mais sério?”, depois lembrava de cada história de traição que ela já tinha contado.
Ela pensava “é um cara legal, mas não toma partido, acho que é só amizade mesmo”.
Até que ele a convidou para ir junto no aniversário de um colega dele, “não é bem balada, é tipo um pub, sabe? Mais tranquilo mesmo...”, e ela aceitou. “Sexta, as dez?” “pode ser as 11?”.
Ele chegou lá cedo, como tinha combinado com os colegas de trabalho, ela chegou depois da meia-noite, toda a ala dos casados, pais e mães de família, já tinha ido embora, e ele achava que ela nem vinha mais. Sentaram-se num canto e começaram: chopp e papo, chopp e papo, chopp e papo, papo, papo, papo, “gostei da banda” “vamos pra pista?”, foram. “Adoro essa música” “de quem é?” “Pearl Jam”, beijo.
Beijo, beijo e beijo, por horas, até ela dizer “tenho que ir”, e não teve conversa que fizesse ela ficar.
Ele ficou com medo de ligar no sábado e esperou até domingo pra chamar ela pra ir no cinema, ela não aceitou o convite “vou pra casa da minha mãe hoje...”, “tudo bem...”.




Na segunda, um pouco depois das 11 o celular dela vibra, nova mensagem, “almoço na pani?”, ela responde: “ok”. Almoçam parecendo dois estranhos, nunca prestaram tanta atenção na televisão, escolheram um sorvete, ele um de abacaxi simples, ela um Magnum branco, sentaram no banco da pracinha e ela disse “preciso te contar uma coisa”. E contou: que fazem 3 meses que saí com um outro cara, que não tinha comentado com ele ainda por besteira, mas, que gosta muito dele, das conversas, dos almoços, mas, que está confusa, não sabe se é a hora certa, ou se é só amizade. Ele entende, diz que “tudo bem”, “sem problemas”.
Começaram a se evitar.
Ela começou a comer mais e mais vezes no restaurante japonês que ele não gosta, e nunca mais foi naquele buffet que serve a batata suíça, todas as quintas, que ele adora.
Ele começou a procurar restaurantes do lado de lá do banco, que fossem mais longe da lojinha de artesanatos.
De vez em quando se encontram em algum restaurante, ele, agora, cercado por caras engravatados, ela, quase o tempo todo olhando pra TV, esboçam algo que saí dos seus lábios, algo quase sem som, monossilábico, quase um oi. Raramente tem conversas mais profundas como “tudo bem?” “to bem e você?” “também...” “que bom...”, conversas como essa são reflexo dos longos anos de amizade.