sábado, 15 de maio de 2010

Não lembra de mim?

Eu estou num barzinho, num pub, enfim, chame como quiser. O lugar está movimentado, não tem uma mesa livre. Várias pessoas de pé conversando, flertando, ficando, sorrindo, alguns até arriscam dançar. Saí do banheiro pretendendo voltar para mesa com meus amigos, mas uma mulher parou na minha frente, me cumprimentou e até arriscou um abraço. Quem é essa? Estou com a leve impressão que ela me confundiu com alguém... Fiquei parado, ela me olhou com uma mistura de irritação e decepção.

- Não lembra de mim?

Sabe que olhando bem, tive a impressão que conheço essa mulher. Conheço sim, certeza, só não me lembro da onde. Cacete... Como é que não me lembro? Deve ser Amanda o nome dela... Amanda? Ah, ela tem cara de Amanda.

- Você não é a Amanda?

Putz, mais cara de decepção.

- Achei que você iria lembrar...

Foi mal...

- Não se lembra do casamento do Henrique?

Por que essa cara triste?
Perguntei:

- Henrique Costa?
- Não... Gomes...

Ah, por que não falou Cabeça de uma vez?! Faz tempo que não vejo aquele veado...

- Em dois mil e sete...

Puta que pariu... É ela... Como que eu me esqueci? Foi na festa de casamento do Cabeça, brother meu dos tempos de faculdade. Tirei ela pra dançar, eu já tinha bebido algumas e ela também, resolvemos ir para um cantinho mais calmo, ficamos, trocamos carícias, bebemos mais, saímos da festa, a chamei pra dar uma volta, ela aceitou, entramos no meu carro, perguntei se ela queria ir pra um lugar mais reservado, ela disse que sim, levei ela pro meu apê, ela não se assustou nem ofereceu resistência, rimos enquanto subíamos no elevador, dentro do apartamento ofereci bebidas, ela disse que não, nos beijamos, ela estava se entregando pra mim, tirou a sandália, eu tirei seu vestido, ela tirou o sutiã, a encurralei no sofá, toquei seus seios, chupei, lambi, mordi, de repente ela começou a resistir, eu insisti, ela tentou escapar, eu não deixei, ela tentou me empurrar, eu continuei insistindo, ela me empurrou, não entendi, ela se vestiu falando que aquilo não era certo, que ela não podia, me deixou confuso, ela não respondia minhas perguntas, parecia que não me ouvia, ela abriu a porta e desceu as escadas, eu fui atrás, falou pro porteiro chamar um táxi, perguntei aonde ela iria, ela não me ouvia, não me via, não me sentia como havia me sentindo alguns minutos atrás, o porteiro não entendia nada, ela viu um táxi na frente do prédio, correu pra dentro dele, eu fui atrás, o táxi arrancou, eu fiquei completamente confuso, enquanto isso um casal perguntava ao porteiro onde estava o táxi que estava esperando por eles, me olharam com cara feia, subi pro meu apartamento.
Depois descobri que ela era prima da Lígia – mulher do Cabeça –, pedi o telefone dela, não me deram. O casal falou que ela morava do outro lado do país, que ela tinha acabado de se mudar e não tinha telefone ainda, falaram que eles não tinham o telefone dela, se contradiziam falando do assunto, tudo tinha cara de mentira, aliás, não gostaram de falar disso, fugiram pela tangente, falaram de outra coisa, evitaram. Eu fiquei puto, mas esqueci, não valia a pena, estávamos bêbados, ela não quis, não adiantava insistir.

- Lembrou?

Devo ter feito cara de quem lembrou, né?

- Lembrei, desculpa esse apagão, é que...
- Tudo bem... Como você tá?
- Bem e você?

Eu não queria ter feito essa pergunta, mas fiz.

- Também... Sabe, desde...

Ela começou a falar.
Ela está diferente, não é à toa que não a reconheci, seu cabelo está bem mais escuro. Está bem mais séria. Não despreocupada como daquela vez.
Sabe, pra mim é fácil fingir que estou prestando atenção no que as pessoas falam. Eu balanço a cabeça e vou resmungando: “aham” “ah é?” “sério?”, de vez em quando sai até um “poxa vida”, depende da expressão da pessoa.
Não estou contente de estar “conversando” com ela, ela era mais legal bêbada, ou eu achava ela mais legal quando estava bêbado, deveria beber mais? É estranho, estou aqui ouvindo uma quase transa de três anos atrás falar. Essa mulher deve ser muito carente... Melhor eu tentar prestar atenção no que ela fala.

- Dois meses depois de ter acontecido tudo aquilo eu terminei com meu marido...
- Sério?

Porra, então é isso! Ela era casada... Foi por isso que ela falava que não podia, que aquilo não era certo, por isso que o Cabeça e a Lígia não gostavam de falar do assunto e inventaram mil histórias, por isso que ela sumiu. Será que ela me falou que era casada? Às vezes eu acho que deveria prestar mais atenção no que as pessoas falam. Talvez o Cabeça me explicou a história e eu fingi que entendi. Cacete... Só três anos depois eu fui entender um caso de cinco horas. E agora ela está aqui, na minha frente, falando... Parou de falar... Por que tá me olhando assim? Deve estar esperando que eu fale, então eu falo:

- Sabe, foi bom te ver depois de tanto tempo, esclareceu muita coisa... Mas agora eu preciso ir que meus amigos estão me esperando.

Beijo no rosto, tchau... Ela ficou com uma cara de quem não entendeu nada... Deveria ter prestado mais atenção no que eu falei, não é?

Vejo Cínthia na mesa em que eu estava. Cínthia é uma amiga de longa data, ao seu lado uma morena de cair o queixo, corpo de mulher e jeitinho de menina. Cumprimento as duas, e Cínthia faz a formalidade:

- Deixa eu apresentar: essa daqui é a Amanda, já devo ter falado dela pra você.

Falou?!
Sabe, eu realmente preciso prestar mais atenção no que as pessoas falam.


domingo, 9 de maio de 2010

Personagens

Não gosto das mocinhas de novela. Elas nunca erram, são sempre as vítimas, estão sempre encantando a todos. São sempre inocentes, perfeitas.
Outra coisa que me enche o saco são os heróis de quadrinhos, sempre fodões, resolvendo tudo. Nunca tem dificuldades, salvam o mundo como se fosse uma coisa tão natural.
Não ando tendo paciência para teatro ou cinema. Não me importa se é comédia, romance, ação, terror; nada me satisfaz.
Os livros... Sempre gostei dos livros, me entretém durante horas em um dia. Mas, há tempos que nenhum personagem me faz sentir emoção.

Não quero mais saber de ficção.

Eu quero garotas que errem e que tenham consciência disso. Mas, mesmo errando consigam me tirar o sono.
Eu quero discutir com algum babaca.
Quero parar na rua para ouvir as histórias dos loucos e parar para refletir sobre tudo o que me disseram.
Quero sorrir ao lado de um amigo ou ouvi-lo desabafar.
Eu quero conversar com alguém recém-conhecido e me emocionar com suas histórias.

É... A ficção nem se compara à realidade.

domingo, 2 de maio de 2010

Vida sem vida

- É possível não viver estando vivo?

Márcio, 33, é um exemplo de vida. Engenheiro elétrico, casado com Camila, 31, e pai da adorável Isabel (ou simplesmente Isa) que está prestes a completar seus 3 aninhos.
No trabalho ele é funcionário exemplo, todos seus colegas admiram a sua dedicação. Sempre que a empresa precisa ele está lá disposto a resolver qualquer problema em qualquer horário.
Os amigos e parentes sempre comentam o quanto sua família é bonita e unida. As fotos, nos porta-retratos, sempre estampam sorrisos largos.
A família de Márcio está todo domingo na igreja; lá, todos comentam como é linda a demonstração de fé deles.
Incrível como Márcio sempre repete que “é feliz por ter um teto e o que comer”, ou que “tem que agradecer por ter uma família que ama”, entre outros discursos.
Em todos os lugares e situações, todos admiram o engenheiro, o consideram exemplo, gostariam de ser como ele.

- Repito a pergunta: é possível não viver estando vivo?

Márcio nunca quis ser engenheiro, foi pela idéia de seu pai e não desistiu da faculdade por causa dele. Hoje não quer arriscar, prefere a segurança de seu emprego e o dinheiro para a família no fim do mês. Deve ser por isso que vive fazendo hora extra. Mas, a sua relação com a família não é das melhores, Márcio trabalha demais e às vezes se pega pensando que quase não vê Isa, tem medo de não vê-la crescer.
Quando casou com Camila estava apaixonado. Talvez ele ainda a ame, mas o relacionamento está frio. Talvez pela falta de tempo dele. Márcio pensa que seria bem melhor se sua esposa trabalhasse, mas como iria falar isso? O casal mal se fala. Ele não entende como está há tanto tempo sem sexo.
Quando se casou, Márcio sabia da fé da sua mulher e – mesmo tendo passado a vida inteira sem acreditar em nada – resolveu acompanhar Camila na igreja, e desde então finge – até para sua esposa - acreditar em tudo que dizem lá. Foram várias as vezes em que esteve lá, mas na verdade estava preocupado com o resultado do jogo. Aliás, sempre que está lá, está pensando em outra coisa.
Ele é realmente um cara frustrado.

- Uma nova pergunta: existe diferença entre viver e sobreviver?