domingo, 30 de setembro de 2012

Com Carinho


“Olá Bárbara, deve ser difícil entender por que eu te escrevo depois de tanto tempo, não sei qual rumo sua vida tomou e não quero ser inconveniente, mas precisava escrever. Gostaria de saber como você está, tudo que aconteceu na sua vida e descobrir a mulher que você se tornou. Bem, deixe-me explicar o que me faz escrever essa carta. Nesses quase sessenta anos tudo mudou, não tenho mais cabelos, minha pele está cheia de rugas e não consigo mexer a parte esquerda do meu corpo, assim, realizar qualquer tarefa básica do cotidiano é um desafio, se não for impossível. Escrever essa carta, por exemplo, mesmo com essa letra tremida, me exige imenso sacrifício, mas aqui onde estou sempre tem um enfermeiro atencioso pra me ajudar. Apesar das dificuldades físicas tenho uma cabeça boa, ao contrário de outros que vejo por aqui. Um problema que a velhice pode trazer é a falta de memória, e vejo alguns senhores que não reconhecem nem seus filhos quando estes vem visitá-los, eu não tenho esse problema, até porque quase não recebo visitas. Desde que Rosineide, minha esposa, faleceu, meus filhos decidiram que um asilo seria o melhor lugar pra mim. Sim, fui casado por quarenta e sete anos e a Neide sempre foi muito companheira, me deu três filhos homens que, por sua vez, já me deram dois netos. De vez em quando, meu segundo filho aparece para me visitar.
Tenho muito tempo livre aqui, o que me faz pensar em toda minha vida. É lógico que penso muito na Neide e sinto muita falta dela, penso muito nos meus filhos também, mas, não sei por qual motivo, penso muito em você. Lembro de ver o pôr do sol ao seu lado, lembro das conversas na beira do lago Afamaía, da sua risada silenciosa, da sua pele cheia de sardinhas e de como, de uma hora pra outra, paramos de nos ver. Eu, afundado em estudos para ingressar no curso de direito, nem pude me despedir quando você viajou para capital pra poder cuidar da saúde de seu pai. E simplesmente, nunca mais nos vimos.
Tem um senhor aqui, o Augusto, que disse que a filha dele teve aula com um professora chamada Bárbara Passos Rodrigues, filha de Luis Machado Rodrigues e Isabele Passos Rodrigues, e que sua filha poderia mandar um recado se eu quisesse. Decidi escrever, pois ninguém além de mim saberia expressar o que eu sinto. Você é uma lembrança boa na minha memória e um momento admirável na minha vida. Escrevo, não só para expressar o que eu sinto, escrevo também porque quero saber de você, e receber notícias suas proporcionaria alguma alegria nesse resto de vida que ainda tenho.
Espero não ter sido inconveniente ou desapropriado, mas eu precisava escrever e espero que você me entenda.

Com carinho

João”


Augusto pegou o envelope e nem se deu ao trabalho de abrir para ler o conteúdo da carta. Jogou a correspondência fora junto com algumas revistas velhas, pois nunca tinha ouvido falar de nenhuma Bárbara na sua vida, a não ser a mulher que João tanto falava.