sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Texto Apaixonado

Era um fim-de-semana prolongado. Desses que começam na quinta e acabam no domingo. Na noite do primeiro dia do feriado eu tinha preparado um sanduíche e colocado duas colheres de achocolatado num copo. Quando abri a geladeira vi que não tinha leite. Frustrado, decidi ir à casa do Rodrigo para pedir um pacote de leite emprestado.
Rodrigo morava na casa da frente. Conhecemos-nos ali pela rua mesmo e nos tornamos excelentes amigos. Havia uma turma grande que vivia sentada na calçada jogando conversa fora e dando muita risada, eu e Rodrigo fazíamos parte dessa turma.
Assim que abri a porta da minha casa percebi que havia muito movimento no quintal da casa de meu amigo. Mesas para fora de casa e pessoas conversando num tom de voz alto e feliz. Lembrei que Rodrigo tinha comentado que a família de seu tio viria de uma cidade distante pra passar o fim-de-semana na sua casa. Atravessei a rua e percebi que estavam jogando baralho. Abri o portão e cumprimentei todos com um discreto “oi”, depois falei pro Rodrigo o que me trazia ali.
- Espera terminar essa rodada que eu já pego pra você – ele falou.
- Vou esperar lá dentro.
Não estava me sentindo a vontade ali. Tinha alguns desconhecidos e tudo que eu queria era pegar o leite e voltar para casa comer. Por isso quis esperar na sala. Quando entro na sala, vejo uma garota sentada no sofá, hipnotizada pela TV. Falo “oi”, ela responde. Cumprimento com um beijo no rosto, ela se levanta educadamente para o ato, mas, logo em seguida senta. Parece que durante todo esse tempo ela não tirou o olhar da televisão. Sento no sofá do lado, está passando novela. Eu odeio novela. Mas, sentei ali e comecei a assistir a garota. Devia ter uns 17. Era linda, loira, olhos verdes e boca perfeita. Imagino que o mesmo olhar penetrante que ela tinha para a TV era o que eu tinha para ela. Olhar fixo, sem perceber nada que acontecia a volta. Não sei quanto tempo isso durou. Mas, acabou quando ouvi um: “Tá aqui, oh”. Era Rodrigo com uma caixa de leite na mão, e eu, saindo da hipnose, disse:
- Que que é isso?
- É o leite, porra.
“Leite... Leite... Ah é... Eu vim aqui pra pedir um leite.”
- Valeu.
- Tá assistindo novela, é?
- Não, não. Valeu pelo leite, to indo embora.
Disse “tchau” para a garota, ela me respondeu sem tirar o olhar da TV. Fui com o Rodrigo até o quintal, me despedi da turma que jogava baralho e fui pra casa. Mais tarde, deitado na cama, não conseguia parar de pensar naquela garota. Como é que um pia tão feio tinha uma prima tão linda? Existem coisas que não tem explicação. Ela me deixou fascinado, mesmo mal notando minha presença. Talvez até isso tenha sido um charme a mais, não sei. Só sei que estava encantado.
Na tarde seguinte Rodrigo apareceu na minha casa. Eu havia pensado na prima dele a manhã inteira, mas não comentei. Ele falava daqueles primos e tios de um jeito que parecia estar falando dos próprios irmãos e pais. Preferi ser cauteloso. Ele me convidou para ir à sua casa a noite, jogar um baralhinho. Normalmente eu diria não, não tenho saco para ficar me enturmando com parentes de outros. Mas, naquela noite eu tinha motivo para isso. Falei pro meu amigo que “iria ver”.
Depois que o primo da minha adorada foi embora não parei de pensar que de noite a veria novamente. Estava feliz, preocupado e nervoso ao mesmo tempo. Estava até preocupado com que roupa iria vestir. Ridículo? Talvez. Lá pelas 21 horas, olhei pela janela e vi que a jogatina comia solta. Olhei-me no espelho pra ver se não tinha nada errado e fui até lá.Cheguei lá com uma caixa de leite na mão. Todos ficaram olhando até que o tio do Rodrigo perguntou por que eu tinha levado o leite. Tive que me explicar. Sentei-me para jogar e logo vi que quem eu queria ver não estava ali. Jogamos algumas partidas e mais ou menos depois de uma hora ela pareceu. “Acabou a novela” pensei. Ela se sentou longe de mim, do outro lado da mesa. Enquanto jogávamos descobri que seu nome era Patrícia e que adorava sertanejo.
Jogamos cacheta até a uma da manhã mais ou menos. Fui um dos melhores da mesa. Não importava, não apostamos. O que importava é que pude contemplar aquele sorriso por um longo tempo. Torci pra ninguém ter reparado o quanto eu reparei nela.
No sábado, Tiago apareceu. Era mais um daquela turma que falei antes. Teria churrasco na casa dele. Perguntei pro Rodrigo se ele iria, e a resposta que ouvi foi melhor do que a esperada:
- Claro que vou. Vou ver se meus primos “tão a fim” também.
Maravilha! Era a minha chance de conversar com a Patrícia sem os pais dela ao lado. E em churrasco todo mundo se solta! Nada podia ser melhor.
Mais uma vez tive cuidado na escolha da roupa. Mais uma vez estava feliz, preocupado e nervoso ao mesmo tempo. Eram 19 horas quando saí de casa. Assim que coloquei os pés para fora vi Patrícia, linda, entrar no carro com sua família, e em outro carro a família de Rodrigo – com exceção do próprio - saírem. Chamei meu amigo, que fechou o portão e disse:
- “Vamô?”
- Seus primos não vão?
- Eles vão no cinema.
Decepção. Minha esperança tinha sido em vão. Eu não teria a chance de me aproximar de Patrícia, e aquele churrasco já não fazia sentido pra mim.
Sabe aquela história de que em churrasco todo mundo se solta? Balela! Eu não me soltei. Fiquei no meu canto tomando uma e outra cervejinha e pensando nela. Perto da 1 da manhã decidi ir embora.
Já vai? A festa nem começou. Fica aí. Por que tão cedo? Vamos curtir mais um pouco. Tá todo mundo aqui e você vai “vazar”? Poxa, não vai embora agora não.
Respondi qualquer coisa e fui embora. Deitei na minha cama e dormi decepcionado.
No domingo fiquei em casa o dia inteiro. De tardezinha vi Patrícia ir embora. Foi a última vez que a vi, o sonho tinha acabado. Dormi e acordei pensando nela. No trabalho não fiz nada direito. Meu chefe reclamou comigo, perguntou onde eu estava com a cabeça. Eu pedi desculpas. Cheguei em casa, comi qualquer coisa e dormi, pra variar, pensando nela.Na terça-feira já estava melhor. Concentrei-me no trabalho e nem lembrava mais da Patrícia. Chegando em casa, vi que tinha um caminhão de mudança na rua, na casa ao lado da minha. A casa que ficou vazia quase dois anos. Vejo um casal e um cara forte – provavelmente o dono do caminhão – descarregando caixas. Vejo uma morena saindo da casa, maravilhosa, corpo incrível, bronzeada, marquinha de biquíni aparecendo. Imaginei que ela deve ter passado o feriado na praia, imaginei que ela devia ir sempre à praia. Ela me diz alguma coisa, eu não entendo, tiro os fones do ouvido e digo:
- Oi? – Não o cumprimento e sim perguntando o que ela disse.
- Oi... – ela repete, agora sim cumprimentando.
Alguns instantes depois descobri o seu nome e que ela tinha 23 anos.
Naquela noite dormi pensando na minha nova vizinha.