sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

História de um Desempregado

Era uma tarde de domingo, quando Luis encontrou seu José no mercado:
- Como vai Luis?
Aproximando-se de seu José, ele percebeu que o velho estava mais careca. Era a mesma cara rosada de bigode branco, mas em cima da cabeça já não havia mais cabelo, apenas aquela nevasca em volta.
- Vou bem e o senhor?
- Tudo bem também. Ainda tá naquela empresa?
- Não, saí faz pouco tempo...
- Ah é? Eu estou precisando de vendedor lá na loja... Sabe como é: lá nunca para ninguém. Você podia voltar...
- Ah seu Zé, não to pensando em arranjar nada por enquanto não, quero ficar em casa descansando, sabe como é?
O seu José até sabia bem como era, mas, quem não sabia era o próprio Luis. O que ele falara para o velho era mentira; o ex-vendedor estava procurando emprego, mas, para ele, se não parava ninguém naquela lojinha de eletrodomésticos era porque ninguém aguentava o velho. O mentiroso se lembrava bem das tardes que trabalhou lá: colocava todos os produtos da direita na esquerda, e os da esquerda na direita, afinal “cliente gosta de novidades”. Como se houvesse alguma novidade em mudar tudo de lugar! E, mesmo depois de mudar tudo, seu Zé sempre aparecia pra reclamar: “por que aquela prateleira está tão bagunçada?”. Luis não tinha paz naquela loja, mas, naquele momento, tinha planos maiores.


O desempregado deixou um currículo com seu amigo Jonas. O amigo trabalhava no escritório de uma multinacional, e com certeza arranjaria uma vaga para ele lá. Jonas levaria o currículo na segunda e era bem capaz que o telefone tocasse já nesse dia. Uma entrevista na terça. Se marcar, na quarta já estaria trabalhando!
Uma semana se passou e o telefone de Luis não tocou. Ele decidiu deixar o currículo em mais algumas empresas, só por precaução. Mas, a multinacional acabaria ligando e ele teria que dizer não para as outras empresas, fazendo um bem maravilhoso para o seu ego. Mais uma semana se passou e nada do telefone tocar. Luis acreditava que era só uma questão de tempo, e todo esse tempo exercitava sua paciência. Mais sete dias e nada. O desocupado começava a achar que a multinacional não daria em nada, e já levantava uma leve suspeita com as outras empresas. Era a hora de se mexer de novo.
“Vou voltar a ser vendedor!” pensou o ex-vendedor. Entregou currículos naquelas lojas grandes – e nas nem tão grandes assim - que pagam uma extraordinária comissão. Ele era um excelente vendedor, muito bom de papo; num novo emprego tinha tudo para ganhar um bom salário, afinal tinha habilidades comerciais incríveis. Daria até pra comprar aquele micro-ondas top de linha que tanto queria; teria que parcelar em dez vezes no crediário, mas, se não fosse assim, não teria como comprar. Luis até se imaginou de calça social preta e camisa de loja, bateria todas as metas que lhe dessem.
Uma, duas semanas e nada do telefone tocar. A multinacional não tinha passado de sonho, e as outras empresas não tiveram interesse. Nenhuma entrevista numa das várias lojas que passou, absolutamente nada! Já fazia quase dois meses desde que fora demitido. Será possível que seu currículo estava tão desvalorizado? O rapaz acreditou que seria fácil arranjar um emprego, que seria coisa rápida, que em alguns dias já teria umas três entrevistas marcadas. Não é que ele se enganou?
Depois de tanta decepção, Luis só tinha uma opção: lembrar qual ônibus que para perto da loja do seu José, e torcer para que nenhum vendedor tivesse aguentado o velho.